http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/522069-parques-eolicos-desestruturam-a-dinamica-ambiental-e-ecologica-do-litoral-entrevista-especial-com-antonio-jeovah-de-andrade-meireles
“Os parques eólicos estão causando a erosão das praias, e o mar já está batendo nos aerogeradores”, alerta o geógrafo.
Confira a entrevista.
Considerada pelos especialistas uma fonte renovável, a energia
eólica, que não emite gases de efeito estufa durante sua operação, tem
sido objeto de estudo de pesquisadores da Universidade
Federal do Ceará, entre eles,
Antônio Jeovah de Andrade Meireles, após serem identificados
impactos ambientais por conta do
funcionamento e
instalação dos parques eólicos na região litorânea. Em entrevista concedida à
IHU On-Line por telefone, o geógrafo apresenta os primeiros
resultados
das pesquisas que verificaram impactos socioambientais na região
nordeste, onde estão instalados parques eólicos. De acordo com ele, “no
processo de instalação dos aerogeradores, são construídas várias vias de
acesso sob o campo de
dunas móveis,
as quais soterram sistemas lacustres. Como as dunas são móveis, elas
estão passando por um processo de fixação artificial. Então, num
primeiro
momento, definimos
que os parques eólicos não geram impactos pontuais, mas impactos que
desestruturam a dinâmica ambiental e ecológica de um campo de dunas que,
no Ceará, tem mais de 500 quilômetros de extensão”. Os impactos
ambientais, esclarece, “estão relacionados à completa desestruturação
morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas, e ao
soterramento das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação
morfológica, porque as dunas estão perdendo sua formação
natural, sua mobilidade, e consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos”.
Meireles acentua o
potencial energético
dos parques eólicos, mas adverte que eles devem ser instalados em áreas
adequadas. Além disso, propõe um investimento “genuinamente” público. E
questiona: “
Por que não se
constroem parques eólicos para, num primeiro momento, levar energia
limpa a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado
das suas residências? (...) A energia pública, limpa e voltada para a
produção comunitária seria uma alternativa extremamente importante e
produziria um efeito ambiental e social que conduziria realmente a uma
produção sustentável de energia”.
Antônio Jeovah de Andrade Meireles é doutor em
Geografia pela Universidade de Barcelona, professor do Departamento de
Geografia e dos Programas de Pós-graduação em Geografia e em
Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará – UFC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor mencionou recentemente que a
instalação dos parques eólicos leva em conta apenas a dimensão
econômica, ignorando os custos ambientais desses projetos. Qual é o
custo ambiental?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Nós estamos
elaborando uma série de estudos relacionados aos impactos
socioambientais dos parques eólicos no Ceará. Em relação aos parques que
estão sendo implementados na zona costeira, estamos analisando a forma
de instalação dos
aerogeradores
e os impactos ambientais desse sistema. No processo de instalação dos
aerogeradores são construídas várias vias de acesso sob o campo de dunas
móveis, as quais soterram sistemas lacustres. Como as dunas são móveis,
elas estão passando por um processo de fixação artificial. Então, num
primeiro momento, definimos que os parques eólicos não geram impactos
pontuais, mas de impactos que desestruturam a dinâmica ambiental e
ecológica de um campo de dunas, o qual, no Ceará, tem mais de 500
quilômetros de extensão.
Os impactos ambientais estão relacionados à completa desestruturação
morfológica, à mudança na paisagem dos campos de dunas e ao soterramento
das lagoas costeiras. Há uma completa desestruturação morfológica,
porque as dunas estão perdendo sua formação natural, sua mobilidade, e
consequentemente perde-se a função de amenizar processos erosivos.
Outra análise diz respeito aos impactos cumulativos. O potencial eólico do
Ceará é imenso, de 60 mil
megawatt
só na planície costeira, mas os parques estão sendo implantados sem
análise cumulativa. Quer dizer, o que significa a liberação de
licenciamento de um parque eólico, diante do potencial de se instalar 10
ou 20% do potencial eólico do estado, o que equivaleria a duas, três ou
quatro mil cata-ventos aerogeradores? Com isso, já construímos outra
discussão de como o Estado irá se preparar do ponto de vista
estratégico, ambiental e social para a implantação dessa indústria que
produz energia eólica, que é muito importante.
O estado do
Ceará deve se preparar no sentido de
formular políticas públicas que possam definir alternativas tecnológicas
para a produção dessa energia. Há uma série de outros impactos que não
estão sendo analisados, como os sociais. Os aerogeradores, e toda a área
ocupada por eles, geram riscos de morte. Eles ficam em áreas
privatizadas, aquelas relacionadas ao usufruto de comunidades
tradicionais e comunidades de pescadores. Estamos observando também que
os
aerogeradores estão
sendo construídos em áreas de intensa dinâmica das praias. Para se ter
ideia, os parques estão causando a erosão das praias, e o mar já está
batendo nos aerogeradores. Já foram construídos muros com blocos de
rochas para protegê-los. Além disso, os parques estão sendo construídos
em manguezais, dentro de áreas que deveriam ser investidas para
potencializar a biodiversidade, uma vez que o sistema manguezal tem uma
relação muito estreita com a soberania alimentar dos povos e comunidades
tradicionais. Além disso, há os impactos sociais, como a gravidez
precoce, o subemprego, porque os parques não geram emprego para as
pessoas da comunidade. Centenas de trabalhadores chegam de uma hora para
a outra nas comunidades, as quais não estão preparadas para recebê-los,
não sabem o que vai acontecer, não têm acesso à informação. Então, cada
processo de licenciamento ambiental se fundamenta na inequidade, e não
no contrário, na necessidade de equidade socioambiental.
IHU On-Line – As consequências verificadas nesses parques
eólicos podem ser aplicadas a outros parques instalados em regiões
litorâneas?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Sim, podem ser
verificadas também nos parques que estão sendo instalados na Bahia, os
quais têm problemas seríssimos com prostituição infantil. Os filhos de
mulheres das comunidades que se relacionam com trabalhadores que chegam à
região são chamados de filhos do vento. No Rio Grande do Norte, dunas e
áreas de turismo estão sendo fortemente impactadas.
Consideramos essa fonte energética importante, mas ela deve ser
genuinamente pública. Por que não se constroem parques eólicos para, num
primeiro momento, levar
energia limpa
a milhares de comunidades que têm esse potencial instalado no lado das
suas residências? Em algumas comunidades, os aerogeradores ficam muito
próximos das casas, a 50 ou 60 metros. Os moradores definiram que o
barulho dos aerogeradores como um avião que nunca pousa, por conta do
barulho constante. Então, a energia pública, limpa e voltada para a
produção comunitá
ria seria uma
alternativa extremamente importante e produziria um efeito ambiental e
social que conduziria realmente a uma produção sustentável de energia.
IHU On-Line – Diante dos impactos ambientais apontados, ainda é viável investir em parques eólicos no país?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É viável, claro! Desde que se leve em conta condições para se definir áreas mais adequadas, para se produzir uma
energia pública com qualidade.
IHU On-Line – Como os parques eólicos têm modificado as
regiões onde estão instalados? Quais são as reclamações dos moradores
que vivem no litoral cearense?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – Reclamam da
utilização e do domínio inadequado de seus territórios, os quais
produzem soberania alimentar. Esses territórios estão sendo utilizados e
privatizados, minimizando o acesso das comunidades aos locais de pesca,
de mariscagem, de lazer. Então, para você ter ideia, algumas indústrias
entram com pedido judicial para não pagarem impostos municipais,
ICMS... E há também um processo de desinformação: as comunidades não têm
informação sobre a área que será utilizada para a implantação dos
parques eólicos, nem sobre a forma como eles serão instalados ou quanto tempo ficarão sem acessar as áreas etc.
IHU On-Line – Como o senhor vê a decisão de o governo abrir
mão da expansão da matriz energética com base apenas em fontes limpas?
Qual o significado dessa mudança no planejamento do plano decenal de
energia?
Antônio Jeovah de Andrade Meireles – É uma situação
complicada, porque o governo acaba investindo, por exemplo, em energia
movida a óleo diesel, a energia derivada de petróleo, em energia movida a
carvão mineral. Potencializar a
matriz energética à base de petróleo e carvão mineral nos levará a colapsos ambientais, climáticos, gerando cenários de injustiça ambiental.